quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

O Contexto do Texto:
Quando a Solução Vira Problema


Não é segredo que a teologia dos cristãos brasileiros vai mal das pernas. Não estou dizendo que a teologia fundamentalmente bíblica seja diferente em cada nação e, por conseguinte, que as verdades sagradas sejam melhores em determinados lugares que em outros. Tampouco, quero acusar todos os fiéis de nosso país de iletrados e ignorantes, embora queira dizer que a maioria de fato é. Subentende-se, pela expressão “ir mal das pernas”, que existe uma doença no corpo, embora o corpo não esteja morto em si, afinal, se assim estivesse não poderia andar. É claro, não creio que seja possível que a igreja brasileira esteja morta, visto que nosso gracioso e soberano Deus sustenta e preserva seus remanescentes. Ora, se o corpo não está morto, algo lhe resta de saudável, e é precisamente por isso, pelo fato de haver quem ensine a verdadeira, pura e simples palavra que peço que interpretem a primeira afirmação com cautela.

Teologia de má qualidade é produzida por dois fatores, e o principal deles, como não poderia ser diferente, é o espiritual. Essa verdade é incontestável e confirmada pelas Escrituras:

“Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente.” – 1Co.2:14

“Mas, se ainda o nosso evangelho está encoberto, para os que se perdem está encoberto. Nos quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus.” – 2Co.4:3-4

Outro causador de terríveis e infames mazelas, é a negligência quanto ao uso do conhecimento “secular”. Tal negligência se dá de duas maneiras:

      1)  Quando se tem notável conhecimento de algum ramo da ciência e o mesmo subjuga a fé. Nesse caso, o processo de racionalização da fé se dá de maneira incorreta e o entendimento “natural” guia o espiritual. Os pressupostos de quem comete esse erro são aqueles adquiridos da ciência e estão acima das verdades bíblicas; assim, quaisquer questões difíceis são colocadas à prova não pela própria Palavra, mas pelo que se sabe da “ciência”.

      2)  Quando não se tem o mínimo de conhecimento dessas matérias e a análise dos textos bíblicos é guiada pela intuição do intérprete ou métodos duvidosos. Nesse caso é bem comum que se queira estudar hermenêutica, exegese, grego, hebraico e afins sem condições necessárias para tal. Um “salto maior que as pernas”.

O que se vê é um completo descaso com ferramentas dadas por Deus para auxílio na compreensão de Sua palavra. O resultado é desastroso: péssimos intérpretes comunicando o sagrado entre si, sem se compreenderem e sem compreenderem a Bíblia; pessoas sinceras mas equivocadas.

Pode-se observar que, efeito de um ou outro dos fatores citados acima, a falha mais comum ocorre quando o versículo é interpretado à parte do seu contexto. Desconsidera-se a situação em que ocorrem os fatos e daí surge o caos na percepção das verdades do evangelho.  Como se não bastasse esse tipo grotesco de erro apenas, há também quem transforme a solução em problema: nem um versículo por si só expressa verdades do evangelho. Despreza-se todo e qualquer versículo isolado mesmo que dele se extraia exatamente o que o autor queria dizer. (de forma alguma deve-se ignorar o contexto, mas interessante seria imaginar o mundo cristão sem comentários bíblicos versículo a versículo ou pregações expositivas preparadas sem auxílio do método de análise do versículo e o método analítico de estudo). Enfim, uma enxurrada de atrocidades místicas derivadas de devaneios de mentes descuidadas ou de corações perversos e impiedosos que perscrutam a palavra de Deus a fim de encontrar respaldo para suas práticas pecaminosas. Para esses dois tipos de erro, seguem os exemplos abaixo:

1)  1 Coríntios 8. Muitos têm a ousadia de utilizarem-se do texto como argumento favorável a atos pecaminosos desde que os mesmos não escandalizem a seus próximos. Assim, tudo é permitido desde que não haja algum irmão “fraco” por perto. É permitido falar palavrões (expressamente condenados em Ef.4:29, Ef.5:3-7, Mt.12:34-37, 1Co.15:33, Cl.3:8); é permitido fornicar (1Co.6:13, 1Co.5:1-13, Gl.5:19-21, Ap.21-8) desde que para determinado meio social, o sexo entre namorados não seja motivo de escândalo e também é permitido mentir (Jo.8:44, Ef.4:25, Ap.22:15), desde que todos seus amigos sejam mentirosos.

 2)   Mateus 23:33. No contexto, Jesus adverte a multidão a não agir como os escribas e fariseus que conheciam toda a lei e severamente a impunham ao povo quando eles próprios não a cumpriam. Eram falsos mestres que viviam de aparência; conheciam a teoria mas não a prática; hipócritas, orgulhosos, maldosos e perversos que destilavam seu veneno sem temor. No vs. 33 Jesus os chama de “serpentes” e “raça de víboras” e assim são todos os inimigos da cruz de Cristo, caluniadores, blasfemadores, zombadores e ímpios, tanto os que conhecem o evangelho e não foram regenerados quantos os descrentes. Alguns, entretanto, querendo tratar lobos que estraçalham ovelhas com carícias, se sentem incomodados com tais acusações firmes e sob pretexto de amor e respeito ignoram que o próprio Cristo assim chamou essa espécie torpe, ignoram que o próprio Cristo é pedra de tropeço e escândalo para aqueles que foram preparados para a condenação eterna.

 3)   1 Coríntios 6:19. Sugerem alguns que “o corpo é templo do Espírito Santo” é uma afirmação que deve ser considerada apenas quanto ao assunto que Paulo tratava, a imoralidade sexual, e portanto, não cabe em debates sobre outras questões que envolvem o corpo (tais como alimentação saudável, esportes violentos ou tatuagens). Cometem tal erro por não observar que o corpo ser habitação de Deus é a premissa usada por Paulo para concluir que que a imoralidade sexual é pecado. Logo, o fato de o corpo ser habitação de Deus independe do contexto do texto, o que é confirmado por outras passagens que dizem o mesmo em contextos diferentes (1Co.3:16, Rm.8:9, 2Tm.1:14).


Portanto, sejamos diligentes no estudo do Evangelho. Digo isso principalmente a líderes que foram separado pelo próprio Deus para ensinar e proclamar o evangelho aos ignorantes; não sejam também vocês ignorantes!

Soli Deo Gloria


Rafael Abreu

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