Um Chamado à Triagem
Teológica e Maturidade Cristã
R. Albert Mohler
Jr.
(Tradução: Rafael Abreu)
Em todas as
gerações, a igreja é ordenada a “batalhar pela fé que uma vez foi dada aos
santos.” Essa não é uma tarefa fácil, e é dificultada pelos múltiplos ataques
às verdades Cristãs que marcam a era contemporânea. Investidas contra a fé
Cristã não são mais direcionadas apenas a doutrinas isoladas. Toda estrutura da
verdade Cristã está, agora, sob ataque por aqueles que subvertem a integridade
teológica do Cristianismo.
Os Cristãos de
hoje se deparam com a assustadora tarefa de elaborar estratégias que priorizem
doutrinas Cristãs e questões teológicas em termos de nosso contexto
contemporâneo. Isso se aplica tanto à defesa pública do Cristianismo em vista
do desafio secular e da responsabilidade interna de lidar com divergências
doutrinárias. Nenhuma delas é tarefa fácil, mas a seriedade teológica e a
maturidade demandam que consideremos questões doutrinárias em termos de sua
relativa importância. A verdade de Deus deve ser defendida em todo ponto e em
cada detalhe, mas Cristãos responsáveis devem determinar quais questões merecem
maior atenção em um tempo de crise teológica.
Há alguns
anos, uma ida ao atendimento de emergência de um hospital, me alertou para uma
ferramenta intelectual muito útil para a realização de nossa responsabilidade
teológica. Recentemente médicos de emergência têm praticado uma disciplina
conhecida como triagem – um processo que permite o pessoal treinado a fazer uma
rápida avaliação da prioridade médica em questão. Dado o caos da área de
atendimentos de urgência, alguém deve estar munido de expertise médica para determinar imediatamente a prioridade médica.
Quais pacientes devem ser encaminhados à cirurgia? Quais pacientes podem esperar
por um exame menos urgente? Os médicos não podem hesitar ao fazerem essas
perguntas, e ao assumir a responsabilidade de dar os pacientes com necessidades
mais críticas prioridade mais alta em termos de tratamento.
A palavra
triagem vem da palavra francesa “trier”,
que significa “classificar”. Desse modo, o responsável pela triagem no contexto
médico é o agente da linha de frente para decidir quais pacientes precisam de
tratamento mais urgente. Na ausência de tal processo, o joelho esfolado seria
considerado tão urgente quanto um ferido à bala no peito. A mesma ideia que
traz ordem à agitada arena do atendimento de emergência também pode oferecer
grande ajuda aos Cristãos que defendem a fé nos dias presentes.
Uma disciplina
de triagem teológica requer que Cristãos determinem uma escala de urgência
teológica que corresponde ao quadro do mundo da medicina para prioridades
médicas. Com isto em mente, sugiro três diferentes níveis de urgência
teológica, cada uma correspondente a um conjunto de questões teológicas
prioritárias encontradas em debates doutrinários.
Questões
teológicas de primeiro nível incluiriam aquelas doutrinas mais centrais e
essenciais à fé Cristã. Entre estas doutrinas mais cruciais estariam aquelas
tais quais a da Trindade, a completa deidade e humanidade de Jesus Cristo,
justificação pela fé, e a autoridade da Escritura.
Nos primeiros
séculos do movimento Cristão, hereges direcionaram seus mais perigosos ataques
ao entendimento da igreja sobre quem Jesus é, e em que sentido Ele é o próprio Filho
de Deus. Outro debate crucial se preocupou com a questão de qual a relação do
Filho com o Pai e o Espírito Santo. Os antigos credos e concílios da igreja
foram, em essência, medidas de emergência tomadas para proteger o âmago da
doutrina Cristã. Em momentos importantes da história tais como o concílio de
Nicéia, Constantinopla, e Calcedônia, a ortodoxia foi reivindicada e heresias
foram condenadas – e estes concílios lidaram com doutrinas de importância
inquestionável. O Cristianismo permanece ou cai dependendo do que se afirmar
sobre Jesus Cristo ser completamente homem e completamente Deus.
A igreja se
moveu rapidamente para afirmar que a completa divindade e completa humanidade
de Jesus Cristo são absolutamente necessárias para a fé Cristã. Qualquer negação
do que se tornou conhecido como Cristologia de Nicéia-Calcedônia é, por
definição, condenada como heresia. As verdades essenciais da encarnação incluem
a morte, sepultamento, e a ressureição do corpo do Senhor Jesus Cristo. Aqueles
que negam estas verdades reveladas são, por definição, não Cristãos.
O mesmo é
verdade para a doutrina da Trindade. A igreja primitiva clarificou e codificou
seu entendimento do único Deus vivo afirmando a completa divindade do Pai, do
Filho, e do Espírito Santo – enquanto que insistia que a Bíblia revela um Deus
em três pessoas.
Além das
doutrinas Cristológica e Trinitariana, a doutrina da justificação pela fé deve,
também, ser incluída entre estas verdades de primeiro escalão. Sem estra
doutrina, somos deixados com uma negação do próprio evangelho, e a salvação é
transformada em alguma justiça humana. A veracidade e autoridade das Sagradas
Escrituras deve também ser considerada como doutrina de primeira ordem, pois,
sem a afirmação de que a Bíblia é a própria Palavra de Deus, somos deixados sem
nenhuma autoridade adequada para distinguir verdade do erro.
Estas
doutrinas de primeira ordem representam as verdades mais fundamentais da fé
Cristã, e a negação destas doutrinas representa nada menos que a negação do
Cristianismo em si mesmo.
O conjunto de
doutrinas de segunda ordem é distinto do de primeira ordem pelo fato de que
Cristãos fiéis podem discordar das questões de segunda ordem, embora esta
divergência crie divisões significativas entre os crentes. Quando Cristãos se
organizam em congregações e denominações, estas divisões se tornam evidentes.
Questões de
segunda ordem incluem o significado e modo do batismo. Batistas e
Presbiterianos, por exemplo, descordam fervorosamente sobre o mais básico
entendimento do batismo Cristão. A prática do pedobatismo é inconcebível às
mentes dos Batistas, enquanto que os Presbiterianos atribuem o pedobatismo ao
seu mais básico entendimento da aliança. Reconhecendo juntos as doutrinas de
primeira ordem, Batistas e Presbiterianos avidamente reconhecem uns aos outros
como Cristãos, mas reconhecem também que desacordos em questões desta
importância impedem a comunhão dentro da mesma congregação ou denominação.
Cristãos das
mais variadas denominações podem permanecer juntos nas doutrinas de primeira
ordem e reconhecer uns aos outros como Cristãos autênticos, enquanto que o
entendimento de que existem divergências em questões de segunda ordem impede
uma comunhão mais ávida que de outra forma, desfrutaríamos. Uma igreja
reconhecerá o batismo infantil ou não. Esta escolha cria imediatamente um
conflito de segunda ordem com aqueles que têm convicção da posição contrária.
Há alguns
anos, a questão da mulher servir como pastora emergiu como outra questão de
segunda ordem. Novamente, uma igreja ou denominação pode ordenar mulheres ao
pastorado ou não. Questões de segunda ordem impedem a fácil adaptação daqueles
que preferem a outra abordagem. Muitos das mais calorosas divergências entre
crentes sérios se encontram no nível da segunda ordem, pois estas questões
enquadram nosso entendimento da igreja e as orientações dadas a ela pela
Palavra de Deus.
Questões de
terceira ordem são doutrinas sobre as quais os Cristãos podem discordar e,
mesmo assim, permanecerem em comunhão próxima, mesmo dentro de congregações
locais. Eu colocaria a maioria dos debates sobre escatologia, por exemplo,
nessa categoria. Cristãos que afirmam a corpóreo, histórico e vitorioso retorno
do Senhor Jesus Cristo podem discordar da sequência dos acontecimentos sem romper
a comunhão da igreja. Eles podem discordar sobre um grande número de questões
relacionadas à interpretação de textos difíceis ou sobre o entendimento de
assuntos de discordância comum. Porém, permanecendo juntos em questões de
importância mais urgente, os crentes são capazes de aceitar uns aos outros
enquanto questões de terceira ordem estão em debate.
Uma estrutura
de triagem teológica não implica que os Cristãos devam considerar qualquer
verdade bíblica com pouca seriedade. Somos responsáveis por abraçar e ensinar a
veracidade compreensiva da fé Cristã como revelada nas Santas Escrituras. Não
há doutrinas insignificantes reveladas na Bíblia, mas existe um fundamento
essencial da verdade que embasa todo o sistema de verdade bíblica.
Esta estrutura
de triagem teológica também pode ajudar a explicar como a confusão pode,
frequentemente, ocorrer em meio a um debate doutrinário. Se a urgência relativa
destas verdades não são levadas em conta, o debate pode rapidamente se tornar
inútil. O erro do liberalismo teológico é evidente em um desrespeito básico à
autoridade bíblica. A marca do verdadeiro liberalismo é a recusa em admitir que
questões teológicas de primeira ordem até mesmo existem. Liberais tratam
doutrinas de primeira ordem como se fossem meramente de terceira ordem em
importância, e ambiguidade doutrinária é o resultado inevitável.
Fundamentalismo,
por outro lado, tende ao erro oposto. O equívoco do verdadeiro fundamentalismo
é acreditar que todas discordâncias são de primeira ordem. Assim, questões de terceira
ordem são colocadas com importância de primeira ordem e Cristãos são
erroneamente prejudicialmente divididos.
Viver em uma
era em que as doutrinas são amplamente negadas e de intensa confusão teológica,
Cristãos estudiosos devem enfrentar o desafio da maturidade Cristã, mesmo em
meio de uma emergência teológica. Devemos ordenar as questões com uma mente
treinada e coração humilde para proteger o que o Apóstolo Paulo chamou de “tesouro”
que foi confiado a nós. Dada a urgência desse desafio, a lição do Atendimento
Médico de Urgência só pode ajudar.